terça-feira, 19 de agosto de 2008

Emilio Saucedo: conserte sua gaita de boca com um artista da Rádio Nacional

Emilio Damasceno Saucedo merece uma página inteira de jornal. É o tipo de gente que, nos meus tempos de revista, renderia perfil e portrait – coisa inúmeras vezes melhor do que a foto aí embaixo, tirada com minha máquina capenga. Desculpem, portanto, o post deveras grande.


Emilio com a gaita que pertencia ao irmão

Cheguei na casa do homem por causa da Lia Amaral, que me ouviu no Gaúcha Entrevista e resolveu indicar o serviço. Era para conversarmos sobre conserto de gaitas de boca, ofício que, segundo o próprio Emilio, é uma raridade: “Se tiver três ou quatro no Brasil, é muito”.

Se o seu instrumento estiver desafinado, com a palheta rachada, trancando as notas ou oxidado, vá lá. E se gostar de ouvir histórias, sente-se nas cadeiras de plástico que ele mesmo, gentil e bem-humorado, forra com espuma - “aqui em casa, bunda de amigo é tratada com todo carinho”.

No final de década de 40, em plena Era do Rádio, Emílio, o irmão Ênio e Mario Souza formaram o Trio Harmônico, só com gaitas de boca. Depois de um ano tocando na Rádio Farroupilha, eles foram descobertos por ninguém mais, ninguém menos do que Benedito Lacerda, o flautista que formou, junto com Pixinguinha, a dupla mais importante da história do choro. Foi Benê quem disse: “vocês vão gravar um disco”.



Cha, Cha, Cha, de 1961: ouça aqui uma faixa
do disco gravado com Jehovah da Gaita, que
substituiu Mario Souza no Trio Harmônico


E lá se foram eles para a Rádio Nacional, ícone do dial brasileiro. Foi quando conheceram Cauê Filho, conhecidíssimo por interpretar o Moleque Saci, da rádio-novela Jerônimo, o Herói do Sertão. Não havia melhor credencial para chegar ao Teatro Recreio e embalar os passos de uma das vedetes mais famosas do país: Virginia Lane. Eles só não fizeram mais sucesso porque Ênio sumiu do mapa de repente. Em Porto Alegre, nem a família, nem dona Ely (mulher que o acompanha até hoje e que continua sendo chamada de namorada) sabiam que ele estava internado num hospital, tuberculoso, onde ficaria incógnito por três anos.

Quer mais? Para ganhar a vida longe dos palcos, Emílio trabalhou em grandes agências de propaganda e recebeu a incumbência de criar um personagem para a marca Liquigás. Tanto o nome quanto o traço do velho Liquinho (leia-se mini-botijão de gás, já que o Google não achou nenhuma imagem do próprio) são obra do artista.

E eu pensando que ele só (?) consertava gaitas.

EMILIO DAMASCENO SAUCEDO
Rua André Arjonas Guillen, 16, Passo D´Areia
(51) 3737.1524 e 8133.5388
com hora marcada

2 comentários:

  1. Qualquer coisa que eu diga sobre o Damasceno, sempre serei suspeito. Um rico amigo, com quem tenho a honra e a graça de encontrar todos os sábados e participar da sua tarde musical, com bom papo, boa música e um bom café. Um beijo, meu amigo. Deus te acompanhe.

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  2. O Sr. Emilio é sui generis!
    Pode ter certeza, algo de tamanha preciosidade, manter a tradição de tocar e consertar gaitas.
    Simplesmente divinos. Um grande abraço!

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